O amor, em qualquer diáspora do mundo “globalizado”, holístico, no mais fundo da alma humana, não separa, distingue, faz ou vê diferença de classe social, gênero, cor, origem, etnia, ideologia; muito menos quer saber se suas encantadas pessoas escolhidas, sobretudo no chamado amor à primeira vista, são heterossexuais ou homossexuais, velhos conceitos inventados pela ciência dita científica, porém refém da cultura discriminatória, por vezes presente no próprio ambiente acadêmico. Assim, pouco importando se nascidos por aqui, peço que esse recente e primeiro casamento de dois jovens homossexuais na cidade de Mineiros, seja visto de modo imparcial. Justo. Chega de preconceitos.

Meu dever moral e legal, visando combater o racismo e outras injustiças anacrônicas, forçou-me a incluir na 4ª edição do livro Racismo à Brasileira: raízes históricas (2009), o capítulo Preconceitos e Racismos contra os Homossexuais, dando assim maior abrangência ao meu instigante objeto de estudos, tentando também dar caráter definitivo ao livro, antigo desejo de todos os que escrevem, cantam, pintam, esculpem, pesquisam ou exercem outras ocupações sublimes em busca de arte e cultura que, certamente, não podem, nem devem exercer seu sagrado ofício, tantas vezes polêmico, se não for através de imprescindível paixão, devendo ser por isso que Marx chegou a dizer que “o Homem é um ser apaixonado, e por ser apaixonado, um ser que sofre”; o que também deve ter ocorrido com os jovens homossexuais que se casaram em Mineiros. Sem adentrar-me nos casamentos homoafetivos que ocorreram no Brasil, emergindo e institucionalizando a família epigrafada, recordo, à guisa de ilustrar, o primeiro casamento de duas bravas mulheres brasileiras, lésbicas – Katiane Freire da Silva, 23 anos e Ana Paula Silva, 25 – que se casaram em Goiânia, em 2006, cujo ato registrei no capítulo e livro citados, dizendo que elas estavam:

(…) ritualisticamente alinhadas, embora meio nervosas, como todas as noivas, se casaram em uma boate GLS de Goiânia, Goiás, no dia 29 de julho de 2006. Ao trocarem belas alianças, deixaram, na história, o primeiro casal de lésbicas a se unir no Estado e o primeiro casamento entre mulheres na bela capital goiana, além de ser a primeiro que o pastor Patrick Thiago, da Igreja Comunidade Cristã (ICM), de Brasília, celebrava. Agora, em 5 de maio do ano em curso, ainda dotado de olhares “de banda”, risos irônicos, de soslaio, especialmente de pessoas ignaras e hipócritas, fortemente dogmáticas, o casamento entre homossexuais, ampliando a família homoafetiva, para não chamá-la homoerótica, ocorreu na cidade de Mineiros, extremo Sudoeste de Goiás, entre dois jovens do mesmo sexo, Jefferson Luiz Dias, 22 anos, natural de São Paulo (SP), residente com avó em Mineiros e Martin Adolf, 27 anos, natural da República Tcheca, intérprete, poliglota de cinco idiomas.  A rápida solenidade aconteceu na manhã da terça-feira (05), no 3º Tabelionato de Notas e Registro Civil da cidade, onde os nubentes foram declarados casados perante a justiça brasileira, após se conhecerem há cerca de dois anos, ao estudar curso superior em São Paulo. A partir de agora, irão morar na Escócia, onde moram os familiares de Martin Adolff.

A equipe de jornalismo da Rádio Eldorado de Mineiros, primeira a se instalar por aqui, marcou presença ao raro acontecimento, que não durou mais de 10 minutos, dando-lhe ampla divulgação, considerando o ato de casamento um fato histórico, chegando a colocá-lo num site, em primeira mão, causando grande curiosidade na sociedade, onde o assunto, por mais velho que seja e desenvolvido que esteja pelo mundo afora, continua tratado com estranheza, uma raridade. O jornal Verde Vale, por sua vez, na edição de 8 a 14/2015, também cumpriu seu papel, noticiando o fato, através do repórter Jota Pereira.

De todo modo, trata-se de fato e ato incomuns, a bem dizer, inédito em Mineiros, levando-se em conta as exigências e formalidades do casamento, reconhecido pelo Estado, previsto na Constituição Federal e admitido nas leis civis ordinárias do país, o que é diferente do que acontece com a chamada “união estável” ou de fato, entre pessoas do mesmo sexo, cujo ato é menos formal e, conforme estou informado, não é mais inédito por aqui, sendo também menos formal entre os heterossexuais que se juntam, se amam e formam verdadeiras famílias, adquirindo direitos fundamentais sem precisar o casamento, o que já é comum.

Para Jefferson, o matrimônio dele com Martin Adolf:

“poderá incentivar aqueles que não tomaram a iniciativa”, acrescentando: “E eu acho que a gente fazendo isso (casamento) pode incentivar mais pessoas que já convivem, mas não tem coragem e iniciativa de fazer. Então isso é bacana para a cidade e para as pessoas que vivem aqui e querem se casar”

À Eldorado, Martin Adolff de sua parte, esclareceu que “na Europa ainda se tem preconceito em cidades pequenas, mas no continente em geral há menos medo de retaliações do que aqui no Brasil. Eu percebi a diferença assim que eu cheguei (ao Brasil). Nossos colegas da universidade nos disseram que fora da instituição não poderíamos caminhar segurando as mãos e não poderíamos nos beijar na rua, pois alguém poderia nos agredir. Isso na Europa acho que já não acontece muito. Na verdade poderia acontecer sim, mas aqui acho que o medo é maior”.

O reconhecimento jurídico da família homoafetiva no Brasil, além do artigo 5º da Lei Magna, começa pelo Supremo Tribunal Federal, em 5 de maio de 2011, conferindo aos homossexuais apenas o direito à união estável. Somente em 15 de maio de 2013, é que houve autorização, admitindo o casamento entre pessoas do mesmo sexo, consoante resolução publicada na data citada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), determinando: “É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou conversão de união estável em casamento do mesmo sexo”, medida que alcança todas as orientações sexuais ou categorias homossexuais, se assim puder defini-las.

Assim, havendo segurança jurídica, pouco influindo distância, anacronismo histórico e presença de incríveis preconceitos, o amor entre o casal fala mais alto nessa inusitada vontade de Jeferson e Martin Adolff ficarem juntos. O amor, de tão forte e sublime, aproxima as pessoas, cria direitos e consolida inclusive civilizações constituídas pelas famílias, onde a homoafetiva, não pode ficar de fora. Notem que ninguém pode ou deve desampará-la; vendo-se ainda que se trata de amor incurável, à primeira vista, de que fala Shakespeare, (1964-1616), em Como Gostais, Ato V. (Trad. Carlos Alberto Nunes.), publicado no Dicionário Universal Nova Fronteiro de Citações, de Paulo Rónai, Editora Nova Fronteira, RJ, (1985):

“Mal se encontraram, logo se olharam; mal se olharam, logo se amaram; mal se amaram, logo suspiraram; mal suspiraram, perguntaram o motivo de o haverem feito; mal souberam a razão, logo procuraram o remédio.”

(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro do Movimento Negro Unificado (MNU), da Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHGGO, Ubego, AGI, mestre em história social pela UFG, professor universitário,  (martinianojsilva@yahoo.com.br))