Por certo, a história de Mineiros, extremo Sudoeste de Goiás, pode ser estudada, analisada e classificada de diversos modos, inclusive pelo processo que chamo “síntese”, para não dizer sumulado, ligado a alguns fatores de âmbito histórico, econômico, social etc., dos finais do Século XIX, sempre deixando influências no período seguinte, destacando-se as atrativas pastagens nativas, típicas da Sub-Região das Pastagens Sudoestinas, descritas pelo saudoso escritor Basileu Toledo França, adequadas ao apascentamento de animais soltos, principalmente gado; a expansão da economia agropecuária vinda de Minas Gerais, sobretudo do Triângulo Mineiro, antigo Sertão da Farinha Podre, até 1816 pertencente à Capitania de Goiás, de onde, por volta de 1873, vieram várias famílias: Carrijo, Rezende, Teodoro, Oliveira, Alves etc., que adquiriram e se apossaram de grandes áreas de terras, visando a formação de grandes fazendas, como Flores do Rio Verde, por exemplo, para criação dos animais citados, nas cabeceiras e margens dos rios, mormente Rio Verde, carinhosamente “Rio Verdinho”, um dos mais importantes afluentes do Rio Paranaíba e do Rio Paraná, formadores da Bacia do Prata.
Com o aumento populacional e das fazendas, com destaque entre as famílias referenciadas, no dizer do notável sociólogo e crítico-literário, Antônio Cândido, acentuou-se na região o chamado povoamento rural, “disperso”, tipo patrimonialista, já tendo como principal chefe de famílias o major Joaquim Carrijo de Rezende, elevado décadas depois ao posto de “coronel”, levando em conta o sistema político adotado a partir do início da Primeira República (Constituição Federal de 1891). Assim, o povoamento local foi transformado em 2º Distrito de Paz de Jataí, no ano citado, começando ali a formação de um arraial à margem direita do Córrego Mineiros, afluente do Rio Verdinho, onde se erige a capelinha do Divino Espírito Santo, começada em 1891 e findada em 1899, elevada a Paróquia em 1913, ponto básico de atração dos mineiros e de outras famílias já presentes na região, todos católicos apostólicos romanos, devotas dos santos: São Sebastião, protetor especial do gado e Divino Espírito Santo, escolhido para os momentos extremos, contexto histórico que passou a ser chamado “Arrayal do Mineiro” e outras poucas denominações, já definido como principal chefe político do Arraial, o “coronel” Joaquim Carrijo de Rezende, amigo de governos da Província e do Estado.
Em virtude dos fatores citados, a Lei nº 257 e o Decreto de 7 de agosto de 1905, o “Arraial do Mineiro” foi elevado à condição de Vila e Município pelo “coronel” Miguel da Rocha Lima, Presidente do Estado, instalando-se, assim, o sistema político de Intendência Municipal, tendo como primeiro Intendente Provisório (prefeito à época), o “coronel” José Para-Assu, de origem baiana, emergente da Guerra do Paraguai, já casado com Maria Jesuina de Morais, de tradicional família do Sudoeste, então viúva de Francisco Joaquim Vilela, apelidado “Vilela Brabo”, segundo estou informado, morto pelos índios bororos na Fazenda São Domingos, Município de Mineiros, provavelmente em 1886.
Conforme a Lei nº 90, de 21 de junho de 1907, foi feita a segunda demarcação do Município de Mineiros, presumindo-se ter havido a primeira com a instalação da Vila e Município (Lei 257, citada). O sistema político de Intendência durou 25 anos (1905-1930), formando o primeiro período de vida político-administrativa institucional da Terra, já mantendo um interessante Código de Posturas de 1909, autoria do vice-Intendente, Caetano Carrijo de Rezende, irmão do “coronel” Carrijo, ainda tendo como principal liderança política este último e as poucas pessoas a ele ligadas pelo sangue ou afinidade familiar, falecido nos finais de 1925, só sendo exceção na direção política da Vila, o caso do “coronel” José Para-Assu, que assumiu o cargo por prestígio e maior experiência pessoal, já se tendo na Vila dois tipos étnico-sociais básicos, os mineiros visionários e os nordestinos ousados, realçados pelos baianos, começando assim, alem dos mineiros, a grande influência dos filhos da boa terra na vida política, econômica e social de Mineiros.
Só com o censo demográfico de 1920, ligado ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população mineirense aparece estudada e quantificada oficialmente, “repartida” em “zona rural”, predominante; e “zona urbana”, já distribuída por sexo. Ali, Mineiros tinha 4.154 habitantes, com 2.234 homens e 920 mulheres, característica que se prosseguiu, quase todos na zona rural, sendo esta, portanto, a primeira vez que a população local, em pleno regime de Intendência, fez parte de recenseamento oficial. Apesar de muito lento o aumento da populacional do vilarejo e das propriedades rurais, com o tempo surgiram algumas atividades de caráter “urbano”, dentre outras, comércio, alguns serviços, pequena indústria, impostos e a localização, que justificaram elevar a Vila e o Município à cobiçada condição de cidade, em 31 de outubro de 1938, conforme Decreto-Lei estadual nº 1.233, data já consagrada como aniversário de emancipação política da cidade, seguindo orientação legal e política do Estado Novo, através do Decreto-Lei 311/38, baixado por Getúlio Vargas.
Com o Decreto-Lei estadual nº 8.305, de 31 de dezembro de 1943, a cidade foi elevada ao honroso status de comarca, sendo instalada, solenemente, inclusive com uma animada missa, em prédio próprio do Fórum e Prefeitura, arquitetura art dèco, somente no dia 25 de março de 1944, tomando posse como primeiro Juiz de Direito, Dr. Aristides Augusto. Dentre outras ilustres autoridades, Interventor e Governador do Estado, Dr. Pedro Ludovico Teixeira e esposa, dona Gercina Borges, Drs. Solon Almeida e Vandi Borges, Bispo Dom Germano Campon, Presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador Dário Délio Cardoso, prefeito interventor Pedro Arantes, Banda de Música da Polícia Militar, chefe político Antônio Getúlio da Silva, “Tonico Corredeira” etc. Eis uma festa realmente inesquecível, até então inigualável no lugar, evidenciando um dos momentos mais singulares da história do Município; notando-se que Mineiros, pouco importando as exigências formais, virou cidade e comarca que, de tão apressada, diversificada e impactante, ninguém mais sabe o seu tamanho.
(Martiniano J. Silva, escritor, advogado, membro do Movimento Negro Unificado (MNU), da Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHG-GO, UBE-GO, mestre em História Social pela UFG, professor universitário, articulista do DM – martinianojsilva@yahoo.com.br)