terça-feira, abril 23, 2024
InícioArtigosA roça nunca saiu de mim

A roça nunca saiu de mim

Assim que me formei, passei um ano sem retornar à casa de meus pais, lugar de meu aconchego e porto seguro. Tres mil quilômetros nos separavam e minha sensação era de que eu havia ido morar, para sempre, no fim do mundo.

No Pará tudo era diferente: a cultura, os costumes, as comidas; enfim, nada a ver com o mundo em que fui criado de simplicidade e cumplicidade ao sabor da roça. Poucos amigos e muitos contratempos marcaram meu início de carreira em terras estranhas: doenças, solidão, insegurança e outras coisas típicas de um desmamado.

Minha moradia se resumia num minúsculo apartamento de vinte e cinco metros quadrados. Foi lá que aprendi: “chorar calado, pensar quieto e desabafar com as paredes”. O trabalho duro e às viagens intermináveis pela Amazonia, por terra, água e ar me ajudaram a vencer os desafios que a profissão me impunha.

osvaldopiccinin
Gostar desta exuberante e misteriosa região foi uma questão de tempo. Meu encanto por Belém , onde morava, foi tamanho que lá também encontrei o verdadeiro amor de minha vida. Casei-me na centenária, rica e suntuosa igreja Nossa Senhora de Nazaré.

Sentia muito a falta de casa, mas tinha consciência que só seria possível voltar a passeio e por pouco tempo.  A viagem de volta demorou oito horas devido às incontáveis escalas. Uma eternidade pra quem estava morrendo de saudade! Mas este era o roteiro mais barato… E para quem tá começando a vida profissional, cada tostão economizado vira poupança.

Cheguei à minha pequena cidade, Ibaté, às nove horas da manhã, tomei benção de minha mãe e fui direto ao nosso sítio abraçar meu velho pai.  Plantando feijão de matraca, mal se deu conta de minha presença. Ao notar-me tirou o velho chapéu de palha, olhou para o céu e disse: – que grata surpresa é esta? – To sonhando ou é verdade? Pude notar em sua testa marcada pelo tempo e em seu peito com rala cabeleira, atordilhada, o suor escorrendo em bica. O calor estava infernal!

Não me contive e fui abraçá-lo fortemente. Num gesto suave me disse: – estou todo sujo e suado, deixe-me passar uma água no rosto. Ignorei seu apelo e o abracei com força beijando – lhe a testa. Pude sentir o sal de seu suor de homem honrado e trabalhador. Foi na labuta dura da roça que nos criou.

Em seguida convidou-me para repartir seu almoço. Sua marmita, recheada com “boia” fria, preparada com carinho pela minha mãe às quatro da manhã, encontra-se pendurada num galho de figueira protegida das formigas e animais intrusos.

Almoçou rápido, como de costume. Levantou-se de súbito, tomou uns bons goles de água fresca no bico do corote que, submerso num pequeno córrego, mantinha sua sagrada água fresquinha o dia todo –, sabedoria da roça. – Vou continuar o plantio porque a lua está boa e o tempo tá com cara

Não tive dúvida, passei a mão na matraca reserva e puxei o eito junto a ele. Passamos boas horas plantando e conversando. Ficou um tanto incomodado ao ver minha disposição e disse: – esse não é trabalho para um doutor formado, vai fazer bolhas e calos em suas mãos. – Pai pare com isso – retruquei. Você se esqueceu do quanto fui bom num cabo de enxada ou num facão de cortar cana?

Ao escurecer fomos embora e se tornou pensativo quando soube que eu voltaria ao Norte em poucos dias. Do seu silêncio brotavam minhas maiores lições. Ficou calado por uns instantes, engolindo um nó seco que travava sua garganta. – Prometo voltar com mais tempo, brevemente. Mal sabia ele que eu passaria quase mais um ano sem vê-lo. Nas cartas trocadas aliviávamos um pouco da saudade sentida.

Parti  com vontade de largar meu emprego e ficar por ali, perto do meu antigo ninho, mas segui viagem com a dorzinha da saudade latejando no peito. Assim é a vida, nem sempre temos o privilégio de escolher os caminhos de nossas jornadas. – Somos soldados a serviço da vida, profetizou-me. Faça sua cama enquanto é jovem e  tem disposição e saúde, porque um dia a velhice será inevitável. O mundo foi feito para ser desbravado por homens fortes. Aproveite sua juventude meu filho!

A roça nunca saiu de mim, foi lá que meu caráter e quase tudo que aprendi foram construídos. È na simplicidade que encontro inspiração para vencer os contratempos. É na simplicidade que chego à conclusão que vale a pena viver intensamente cada minuto da vida.

E VIVA A VIDA SIMPLES DA ROÇA!

[testimonials margin_top=”” margin_bottom=””][testimonial name=”Osvaldo Piccinin” company=”” href=”” image=”http://mineiros.com/wp-content/uploads/2014/03/osvaldopiccinin2.jpg”]
Osvaldo Piccinin, engenheiro agrônomo, formado pela USP-Esalq, em 1973. Natural de Ibaté, é empresário e agricultor e mora em Campo Grande/MS, colunista do site Mineiros.com, email: osvaldo.piccinin@agroamazonia.com.br.
[/testimonial][/testimonials]

Mineiros.com
Conhecida como "cidade saúde", acolhedora e em rápida evolução e crescimento, antigamente denominada a Princesinha do Sudoeste, Mineiros convida todos a uma visita para conhecer e investir nessa promissora cidade. Curta e contribua com o site enviando suas histórias, fotos e sugestões.
RELATED ARTICLES

Most Popular

Recent Comments

Walley Marlos Pereira on José Alves de Assis
Marisley Gomes Martins on José Alves de Assis
Pedro Nicomedes de Rezende on José Alves de Assis
Pedro Carlos Cunha on Dom Eric Deichman & Lavoura
Rildo Rodrigues de Oliveira on Martiniano José da Silva
Rizan Luiz Pereira on Mercadão Municipal de Mineiros
laurecy cabral de mello on Martin Doido
antonio elviro de rezende on Mercadão Municipal de Mineiros
Diomar Rodrigues da Silva on Cachoeiras e riachos belíssimos em Mineiros
claudionor ramos goes on Dom Eric Deichman & Lavoura
Lucinda Freese Alves on Martin Doido
Jailton Araujo on Martin Doido
gilzete on Martin Doido
elias on Martin Doido
NARA RÚBIA on Time dos Gordos – 1964
Vinícius de Queiroz Rezende on Mineiros de Antigamente – Praças
Solene Lopes de Oliveira on Mineiros de Antigamente – Praças
jeovargues b resende on Martin Doido
angela.aparecida.sabina dos santos on Martin Doido
Norma Ataídes Ferreira Mota. on Time dos Gordos – 1964
juraci alves de alcantara on Fundador de Mineiros
degleiber de oliveira on Time dos Gordos – 1964
Carlos |Alberto Flores Chaves on Mineiros de Antigamente – Prefeitura & Comiva
marcelo de oliveira sousa on Mineiros de Antigamente – Praças
WAGNER IRINEU SOUSA on Mineiros de Antigamente – Praças
valter machado costa on Martiniano José da Silva
eide araujo on Mineiros1941-7
Josias Dias da Costa on Mercadão Municipal de Mineiros
João Bosco Barbosa de Souza on Cachoeiras e riachos belíssimos em Mineiros
Ivan Ferreira Domingues on Mineiros de Antigamente – Fotos Aéreas
Mineiros.com on Fundador de Mineiros
silverio on Fundador de Mineiros
Josias Dias da Costa on Fundador de Mineiros
wesley martins da silva on Paulo Freire
jonnathan on Paulo Freire
Celino Alexandre Raposo on Paulo Freire
Nice on Paulo Freire
Rita de Cássia Martins Medeiros Costa on CAD – Cidadania com Amor e Disciplina
Maryland on Paulo Freire
ilcilene ferreira de sousa on A escola serve para que?
ilcilene ferreira de sousa on Mãe e Aluna sobre disciplina do CAD Tol. Zero
Marta Maria de Paula Aragão on CAD – Cidadania com Amor e Disciplina