terça-feira, março 19, 2024
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A História de Mineiros por Dom Josias Dias da Costa

As famílias tradicionais mantinham casas na cidade, mas residiam nas fazendas, onde realizavam suas atividades

Há uma ideia de que o mineiro é pacato e mão-fechada, e isso poderia levar-nos a crer que o Arraial do Mineiro, surgido na segunda metade do século XIX, e que mais tarde, em 1905, tornou-se a Vila e também o Município de Mineiros, fosse formado por pessoas sossegadas e avarentas.
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Ora, a sociedade mineirense, com origem na crise provocada pelo encerramento do ciclo do ouro e da Guerra do Paraguai, era, nos últimos anos do Império e durante as quatro décadas da República Velha ou República dos Coronéis, uma sociedade de sovinas, muquiranas ou unhas-de-vaca?

Ver-se-á que essa ideia que se tem dos mineiros não corresponde à realidade. Na verdade, não passa de um grande preconceito. Isso porque tanto os mineiros do passado que povoaram o Sudoeste de Goiás, juntamente com os paulistas e nordestinos, quanto os de hoje, que, juntamente com os sulistas e de novo os nordestinos, ajudam a povoar os mais ermos rincões da Amazônia, se diferenciam dos demais por um ethos ou por uma maneira de ser que nada tem a ver com a limitação da avareza.

Os mineiros quando deixaram para trás as Minas Gerais tinham – e continuam tendo – um propósito muito bem delimitado: o de acumular bens. E para atingir esse propósito eles desenvolveram uma série de princípios que inclui, muitas vezes a disposição para enfrentar as dificuldades e mesmo para passar por certas privações. Pode-se dizer que a “ética da acumulação” é o que moldava o comportamento dos mineiros que povoaram essas terras. Mas esses desbravadores, diferentemente dos avarentos, não faziam da acumulação, o fim último das suas ações. A acumulação de bens, conseguida a duras penas, tinha como objetivo ter “muita fartura”.

Essa fartura, que os mineiros buscaram ter em suas vidas para poder desfrutar, resultou na apropriação e no registro de terras oferecidas pela Província de Goiás; na criação de gado de modo extensivo; na bastante variada atividade agrícola, ainda que para a subsistência, uma vez que não havia mercado consumidor próximo e muito menos os meios de transporte para esses longínquos mercados.

Também, se pode ver na estrutura de cada casa construída por esses empreendedores mineiros a ostentação de uma grande cozinha com uma enorme mesa ao centro, na qual são servidas fartas refeições, acompanhadas dos mais variados petiscos de sua despensa.

Os coronéis, sobretudo das famílias Carrijo e Rezende, que mantinham o controle político da Vila de Mineiros, não exerciam o poder de modo totalitário, como se pode imaginar. Mesmo o Coronel Carrijo, na época da intendência, conforme relata um de seus descendentes, o Sr. Christovam Alves Villela Carrijo, tinha a oposição de outras famílias, sobretudo dos Martins, que o incomodavam muito.

Diz o Sr. Christovam que: “Quando vieram de Minas Gerais o Coronel Joaquim Carrijo de Rezende e seus irmãos Caetano Carrijo de Rezende, Elias Carrijo de Rezende e José Carrijo de Rezende, com as suas respectivas famílias, aqui ainda era tomado de índios da tribo Bororós. Ao chegarem, eles fizeram voto a Santo Antônio para que ele os livrasse dos índios, e recomendou a todos os descendentes que preservassem o dia de Santo Antônio. Assim, conseguiram conquistar os índios com amizade”.

Sr. Christovam esclarece ainda que: “Quando o Coronel Carrijo doou o terreno para patrimônio, foi com a intenção de criar uma cidade ordeira e bastante religiosa, por isso  não admitia baderna.  Alguns membros da família Martins, entretanto, gostavam muito de festa e formavam grupos para farrear, beber e dar tiros na praça. E como o Coronel Carrijo não aprovava e não aceitava esse tipo de coisa, então por aí surgiram vários atritos que não deixavam de resultar em algumas rixas”.

As famílias que deram origem a Mineiros cultivavam certos valores dos quais os coronéis se colocavam como guardiões. Era muito valioso para essas famílias manter um clima de harmonia, a palavra empenhada, a lealdade, o respeito à autoridade e aos mais velhos etc. Quando alguém era favorecido por outrem, o favor recebido transformava-se numa dívida. E muitas vezes os coronéis mantinham o consenso político não só pelo compadrio, mas também através da política dos favores.

Quando a Vila de Mineiros foi elevada, em 31 de outubro de 1938, à categoria de Cidade, sob a ditadura do Estado Novo (1937-1945), tínhamos aqui uma sociedade já bastante diversificada, com pessoas que chegaram do Nordeste, sobretudo da Bahia, e de outras regiões do Brasil.

Nos anos de 1938 até por volta de 1970 a cidade de Mineiros, mesmo emancipada, não passava de uma extensão do campo. A sua economia, desde a origem, girava em torno do gado de corte, o único produto autotransportável até os mercados consumidores. As famílias tradicionais mantinham casas na cidade, mas residiam nas fazendas, onde mantinham suas atividades. Muitas vezes os filhos eram mandados para dar continuidade aos estudos em Uberlândia, Uberaba ou Goiânia, quando não Alto Araguaia, onde havia internatos masculino e feminino, mantidos por congregações salesianas.

A partir de 1970, entretando, começou uma reviravolta, com o asfaltamento da BR-364 e a implantação das torres de micro-ondas, que proporcionaram o transporte de mercadoria e a inculcação de novos valores através dos modernos meios de comunicação social.

Os monges beneditinos fizeram, através de D. Eric J. Deitchman, as pesquisas que levaram os chapadões, até então considerados imprestáveis para a agricultura, a se tornarem altamente produtivos. E junto a isso os governos federal e estadual criaram projetos agrícolas com financiamento da produção e, logo, Mineiros passou a produzir novos tipos de pastagens, arroz, soja, milho, gado leiteiro etc., seguindo orientação dos bancos que faziam os financiamentos.

Mineiros entrava a partir daí no modo-de-produção tipicamente capitalista, que substituiu o modo-de-produção familiar em que os proprietários arrendavam as terras aos camponeses, conhecidos como agregados, que pagavam a renda da terra com uma porcentagem, geralmente 50%, do que produziam. No novo modo-de-produção a mão-de-obra assalariada substituiu os camponeses que se tornaram assalariados ou tiveram que amargar a dura existência de uma vida na periferia da cidade ou de migrante em outros estados do Brasil.

O modo-de-produção capitalista, para ser implantado, requer tanto a desestruturação do modo de produação existente até então  quanto a mudança de comportamento e mentalidade dos habitantes do lugar. Para que seja ser implantado, é preciso antes de tudo, de meios de transporte para levar as mercadorias aos mercados consumidores. Mas, esses meios de transportes que levam, são os mesmos que trazem mercadorias. Mas como trazer mercadorias para uma sociedade que, como se dizia, “só não produz querosene, sal, chumbo e pólvora”?

Daí que se fazia necessário incutir nos novos produtores rurais, como passaram ser chamados esses novos capitalistas do campo, a necessidade de se dedicarem à produção de um só tipo de coisa. Isso não só proporcionaria maior produtividade, mas também maior lucratividade. E logo, sem perceber, estariam subjugados tanto na fonte, tendo que comprar as sementes geneticamente modificadas e os produtos químicos e maquinários necessários para a produção a partir dessas sementes, quanto no final da produção, quando transformariam seus produtos em mercadoria cujos preços seriam estabelecidos pelas grandes empresas compradoras.

Os novos produtores de grãos se viram sujeitos às leis da oferta e da procura, tendo os preços altos na entressafra e baixos na safra. E ainda tinham que  comprar no mercado  tudo que deixaram de produzir.

Para minorar as dificuldades de conviver com o novo regime, eles criaram, com a ajuda do já citado monge, D. Eric J. Deitchman, uma cooperativa agropecuária que se tornaria a mãe de todas as outras cooperativas de Goiás. E os trabalhadores rurais, preocupados com as novas relações de produção, criaram, também com ajuda de D. Eric, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, como fim de organizar e conscientizar a clase trabalhadora para fazer prevalecer os direitos trabalhistas.

Nos tempos atuais, os valores cultivados pelas famílias tradicionais como Carrijo, Rezende, Morais, Vilela, Cruvinel, Carvalho, Costa Lima, Souza, Brandão etc. cederam lugar ao individualismo e à formalidade da sociedade moderna. Mas quem poderia dizer que a cordialidade existente entre famílias do passado, que se uniam, sobretudo, para manifestar suas crenças nas festas religiosas, para fazer suas trocas e para realizarem os casamentos de seus jovens e de suas jovens, não se transformou no associativismo da sociedade atual, que une a todos, inclusive os muitos sulistas, em sindicatos, cooperativas, associações e clubes de lazer?

Outrora, os mineiros, contrapondo-se aos preconceitos, foram os pioneiros que, arriscando suas vidas, desbravaram esses rincões do Sudoeste de Goiás. Eles, aqui nesta terra de Mineiros empreenderam e prosperaram em tempos difíceis. Também os vários nordestinos aqui chegaram, empreenderam e prosperaram. Isso aconteceu ainda com outras cidades de Goiás e dos estados vizinhos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Médicos que vieram do Rio de Janeiro, Espiríto Santo e outros estados, além dos filhos dessa terra que se formaram em medicina em outras cidades, construiram hospitais, trabalharam e prosperaram. Finalmente chegaram os sulistas que deixaram atrás as suas terras e aqui conseguiram empreender e prosperar.

Desde quando Mineiros celebrou os seus 67 anos de emancipação, para cá afluem empresas de grande porte e pessoas de todos os lados, em busca de trabalho e de um bem que Mineiros almeja ter com fartura para poder usufruir e que será necessário para a prosperidade das novas gerações no presente e no futuro: a educação em todos os níveis, desde o mais fundamental até o superior.

Texto: D. Josias Dias da Costa – Prior do Mosteiro São José de Mineiros e do Mosteiro São Bento de Goiânia.

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2 COMENTÁRIOS

  1. Só gostaria de esclarecer uma coisa: escrevi este artigo sob pressão de tempo, para uma revista e há algo que precisa ser refeito e aprofundado. Eu quis mostrar que o Coronelismo tinha sua contraposição. Mas não tive tempo de investigar bem sobre isso. O entrevistado confirmou minha tese, mas faltou entrevistar os descendentes desses opositores ou mesmo algum registro histórico da contenda mencionada. Mas, já que o artigo foi trazido à tona, agradeço por isso e espero que os pesquisadores corrijam essa deficiência. Muito Grato!

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