Aprendi muito cedo certas coisas politicamente incorretas, tais como: fumar, caçar e tantas outras, quando se é criado na roça da minha época.
Mesmo com tenra idade, jamais poderíamos mostrar medo, com a pena de sermos taxados de “cagões” pelos primos mais velhos.
Os caçadores mais antigos como Mané das Torres, Carlito Lopes e Emilio Bianco eram nossos professores nesta arte. Na caça aos veados – sempre feitas durante o dia -, levávamos cachorros de raça para fazer “o pega” e encantoar o bicho num lugar denominado “pulador”.
Nossa adrenalina ficava no limite, sem contar aquela sensação do coração saindo pela boca. Ai se alguém errasse o tiro! Estava no mato sem cachorro, literalmente!
Na caçada de tatu era o contrário, íamos sempre à noite, pois este animal tem hábito noturno. O cachorro poderia ser um vira – latas, mas tinha de ser ligeiro ter bom faro e nos mostrar onde era o buraco do infeliz.
Feito isso, o restante era no enxadão e água. Nesta caçada eu sentia medo da escuridão e de meter a mão na toca. Afinal, era comum nos depararmos com uma cobra venenosa, ali morando.
Fui uma única vez caçar paca. Fiquei “plantado” num girau de madeira feito numa árvore, há quatro metros do chão, denominado de espera. A cada pisada do bicho nas folhas secas da mata, meu coração disparava. Para a sorte do bichinho, errei o tiro!
Com vinte anos de idade, já na faculdade, fui participar do projeto Rondon no Vale do Ribeira, no Estado de São Paulo -, divisa com o Estado do Paraná. Minha missão era visitar pequenos agricultores e ensinar-lhes algumas práticas agrícolas.
Numa dessas visitas, conheci um fazendeiro do tipo eremita, que vivia alongado em sua fazenda e distante da família havia muitos anos. Por minha sorte ou azar, ele foi com a minha cara.
Apaixonado por caçadas me convidou a acompanhá-lo numa de onça, pois estas já tinham matado alguns de seus animais e inclusive seu cachorro de estimação.
Fomos a cavalo e munidos com espingardas de grosso calibre. Eu estava certo que íamos ficar juntos o tempo todo esperando a tal da onça, mas qual nada! Largou – me na primeira picada da mata que encontramos bem na boca da noite e disse-me: – procure uma árvore no pé daquela serra e se empoleire. – Deixe a espingarda engatilhada e a lanterna sempre à mão. – Ela deverá voltar para acabar de comer o carneiro que matou ontem. Boa sorte e até breve.
A noite chegou e meu medo só aumentava! Nada de onça e do meu companheiro. Apenas o esturro de uma delas, provavelmente acuada pelos cachorros. Pensei: ou se esqueceu de mim ou então dormiu na ceva e a onça o comeu.
No dia seguinte, desci do tronco ao amanhecer, sem, no entanto, pregar os olhos um minuto sequer. Chegando à casa, qual não foi minha surpresa ao vê-lo, logo cedo, tirando o couro de uma enorme pintada enquanto tomava uma lapada de cachaça?
Foi quando me perguntou: – apareceu alguma pra você? – Não senhor, nada! Continuou fazendo seu serviço, enquanto ia distribuindo pedaços da carne da caça para meia dúzia de cães. Disse-me que assim fazia, para que os cachorros não perdessem o faro e nunca sentissem medo do felino.
Continuando sua preleção, sem se quer me olhar nos olhos, perguntou novamente: – passou muito frio e medo? – Isso eu passei sim senhor. – Pois é assim que se ensina um jovem da cidade a virar homem. Fiz isso com todos meus filhos, quando jovens, e lhe garanto que viraram homens destemidos.
Na sua vida, continuou ele, irá passar muito medo e topar situações difíceis e esta experiência lhe ajudará a enfrentá-las com mais tranqüilidade e equilíbrio, boa sorte rapaz! Venha almoçar comigo amanhã. Até hoje ele deve estar me esperando…
E VIVA A CAÇADA DE ONÇA!
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Osvaldo Piccinin, engenheiro agrônomo, formado pela USP-Esalq, em 1973. Natural de Ibaté, é empresário e agricultor e mora em Campo Grande/MS, colunista do site Mineiros.com, email: osvaldo.piccinin@agroamazonia.com.br.
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