A academia é a Mineirense de Letras, elevada ao seu novo “status” de “letras e artes”. Por ser uma entidade cultural bem entrosada está virando uma família. Família dos mais maduros e dos mais jovens, tendo como critério de escolha a responsabilidade, o talento e a produção literária, pictórica, escultural, filosófica, musical e por aí afora. Aliás, no discurso da instalação da Academia Brasileira de Letras, Joaquim Nabuco explicou a conciliação de velhos e novos, na elegância destas palavras: “A Academia, como o nobre romano, tem a sua vila dividida em casa de verão e casa de inverno”.
Na tropicalíssima paisagem do cerrado mineirense, não há o privilégio das casas de verão e de inverno. Existe, porém, já chamada “pensão de escritores”, onde os membros da academia e convidados especiais se reúnem, expõem, discutem e se reciclam das suas carências culturais. É um local romântico mágico, construído de propósito, onde, creio, todos são recebidos de forma simples, afetiva e carinhosa, sem as nove horas e as granfinagens das casas de “verão” e de “inverno” de que fala Joaquim Nabuco. Em que pese, de tanto fazer reflexões, já descobrimos que não somos um asilo de ricos beletristas, de cabotinos e nababescos poetas, de deslumbrados e falsos escritores ou supostos intelectuais inapelavelmente condicionados a não pensar e a só viver da orgia e da maquiagem. O nosso tempo é incompatível com o clássico “chá das cinco”.
Não é, portanto, mais um desses clubes retóricos, de confrades, fardão e “cositas más”, soleníssimas, todos tomados de pruridos elitistas, onde a arte e a história são, geralmente, escamoteadas e manipuladas como forma de coonestar os nossos mais autênticos valores culturais, como a de ser a primeira academia no Brasil a constar nos estatutos a admissão de mulheres nos seus quadros. Maria Luiza de Carvalho Luciano, até que se prove o contrário, foi quem quebrou o selo da virgindade machista das academias de letras do Brasil, ao fazer parte dos primeiros membros da Mineirense de que falo, em 1969.
Os nossos associados são inclinados à concórdia e ao bom convívio, embora firmes e às vezes intransigentes no que polemizam e defendem. Em nossas reuniões se cultiva cordialidade entre companheiros, elevando-se acima de todos eles o objetivo comum: o de recusar ser sábios, tentando ser amigos da sabedoria. Tudo o que se discute é em tom elevado e respeitoso, nada podendo ofender ou melindrar. Risos e risos, que não criam inimigos. É também lugar de se falar de tudo, priorizando, todavia, a órbita literária, objetivo essencial da instituição.
A academia, desde que foi constituída, soube ser uma curiosíssima coordenação de partidos, tendências e situações que, não sabemos se por milagre, vem se harmonizando, admitindo, pois, monarquistas, republicanos, românticos, naturalistas, céticos, católicos, protestantes, agnósticos, onde entram escritores, poetas, pintores, filósofos, escultores, teatrólogos, músicos, etc., numa diversidade surpreendente de princípios, ideais e convicções, buscando, assim, a plena consciência de si mesma.
É nosso intuito conhecer, antes de tudo, os grandes clássicos universais de todos os tempos. O melhor do teatro, romance, filosofia, história e poesia, sem prescindir, porem, da questão cultural “localizada”, autóctone, do querido burgo mineirense, onde a prioridade começa pela história, já que um povo que desconhece a sua história, dificilmente compreenderia sua poesia, seu teatro, sua música, sua dança, seu folclore, sua própria ideologia.
Cultivamos a ideia de corporação literária dentro de uma visão mais ampla, antropológica, por assim dizer, sem os ranços do velho “espírito de porco” que nada produz de grande e valioso nas instituições, especialmente culturais. Somos um círculo de bons amigos, ansiosos pelo saber, tendo como método para alcançar os nossos sonhos o aprimoramento lento e gradativo da corporação no intuito de transformá-la num grande cenáculo irradiador da cultura e da arte.
A amizade é que une e identifica seus componentes, de origens as mais diversas, dotados de afinidades de sentimentos, de que se fazem as instituições dessa espécie, ora em estado de graça nos aproximando e aprimorando cada dia mais. Há os assíduos frequentadores de reuniões, merecedores de registro: Ana Marias, Marta Brandão, Toninho, padre Zezé, Jonair Fialho, padre Josias, Fernando Brandão e até cá o autor destas linhas. Apesar de 30 anos de existência, a academia não dispõe de sede, o chamado “pouso certo”, sendo obrigada a socorrer-se de eventuais abrigos de favor em salas do Centro Cultural Santo Agostinho, da biblioteca “Irmã Maria de Lourdes”, casa de Martiniano e outros, sendo certo que, sem a atuação dos seus primeiros membros, como os demais referenciados no livro Retrospectiva histórica de Mineiros, Aniversários (1998), a academia teria morrido do mal de sete dias. Por outra, nunca foi fácil arrumar tesoureiro de entidade cultural sem dinheiro. Nesse particular, é escritinha à brasileira de letras no seu início, fase em que perguntou alguém a Olavo Bilac por que os sócios da academia eram chamados de imortais.
É porque não temos onde cair mortos – respondeu o poeta.
Assim, as nossas reuniões nunca se findaram com o tradicional chá acadêmico. Somente água se tem tomado. Está, pois, precisando que institua o “chá do espírito”, trazendo com a bagagem literária, pelo menos um litro de “fluído espiritual”. Não é possível que todos os acadêmicos sejam abstêmicos de álcool, de vinho, uísque e da gostosíssima cachaça mineirense. Não é possível. Contudo, o “chá do espírito de que falo , ainda não foi definido. Como iríamos ,identifica-lo? Obviamente, não será qualquer infusão como o “chá da meia noite, o “chá de bico”, o “chá de cadeira”, o “chá de porrete”, o “chá de sumiço” e outros mais que só a sabedoria popular seria capaz de decifrá-los. Sugestão final: o “Chá do Espírito” a ser usado na academia, em razão da carestia, poderia ser na base do gostoso e calmante chá goiano, de erva-cidreira (melissa), com biscoito carrijo, pão de queijo, broinhas de fubá, café, etc, não podendo haver nada que venha quebrar a estética e os mágicos rituais do “chá do espírito” de que falo, cujo segredo nem os anjos do céu conseguem saber.
(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro da Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHG-GO, UBE-GO, mestre em história social pela UFG, professor universitário, articulista do DM – martinianojsilva@yahoo.com.br)