O primeiro regulamento escolar de Mineiros é um assunto bom para estudos, especialmente em âmbito comparativo. Começa na vigência do Código de Posturas Municipais de 1909, autoria do vice-intendente Caetano Carrijo de Rezende, período político dos “coroneis”, na Intendência Municipal, quando a educação da vila e município de Mineiros passou a ter o seu primeiro “regulamento escolar”, através da lei de 5 de agosto do ano e código citados, definindo seu artigo 1º, na ortografia normativa da época, como era o ensino e suas matérias: “O ensino do Município da Vila de Mineiros, será primário e elementar, constando das matérias seguintes: $ 1º Leitura; $ 2º Arithmetica; $ 3º Histórias; I A do Brazil; II A Universal; III A Natural; $ 4. Língua nacional; $ 5. Constituições; I A Federal; II a do Estado de Goyaz; III As leis do município; $ 6º Geographia universal e a do Brazil; & 7º Gymnasticas e ensaios militares; $ 8º Desenho e instrucções.”
Embora possam ter sido modificadas em ortografia, nomenclatura, metodologia, ideologia, didática, pedagogia, modismos e outros conceitos, várias das disciplinas mencionadas ainda fazem parte dos currículos de nossas escolas, começando do 1º grau, pouco importando outras denominações que mais vezes significam falta de coerência na história da educação, infelizmente ainda vítima das fortes e anacrônicas influências político partidárias.
Admitindo ensino “leigo”, como exigência de lei maior, referido regulamento foi uma grande novidade no então longe e isolado Arraial dos Mineiros, de população diminuta, quase toda residindo nas grandes fazendas, do enorme município de mais de 10.000 km, onde só umas raras propriedades rurais mantinham professor por conta do fazendeiro. De todo modo, o regulamento do “sistema educacional”, posto pelo vice-intendente Caetano Carrijo de Rezende, autorizado e auxiliado por pessoa versada (no assunto), revisão por Comissão de leis e da Câmara, apesar das inarredáveis dificuldades para ser implantado e alcançar eficácia, representou um significativo avanço na então pacata e bucólica vida educacional e social do vilarejo, com apenas quatro anos de existência, notando-se que a vila e o município foram criados em 1905, através da lei estadual 257.
Conforme artigo 2º do regulamento, dentre outros assuntos de interesse público, fazendo parte da Lei Maior da Vila (Código de Posturas), foi “criado o número de quatro escolas, sendo duas do sexo feminino e duas do sexo masculino”; estabelecendo o artigo 3º que na sede do município, haverá uma de cada sexo”; ensinando o parágrafo único que as “duas outras serão mantidas em qualquer ponto do município, de preferência o local mais povoado e se denominará escola “rural”, vendo-se que o conceito de “escola rural” no município é mais velho do que muitos possam pensar.
O regulamento trata de Grupo Escolar no parágrafo do artigo 18, dizendo que o intendente poderá converter as quatro escolas por esta lei criada, em um só grupo escolar, funcionando na sede do município. Se convertido, o ensino funcionaria em um só prédio, que passaria a se chamar casa do Conselho, figurando como diretor do Grupo Escolar, um dos professores, mais antigo no magistério, com o direito de 20% sobre ordenado dos seus subalternos, algum do ordenado fixo. Essa realidade, não ocorreu. O primeiro Grupo Escolar de Mineiros é o que se chamou Pedro Ludovico, de 1941/1942.
Conseguir professor não era fácil. Os com cursos de normalista e os bachareis em letras e ciências sociais, eram os preferidos para o preenchimento das cadeiras, com vencimento que não podia exceder de 1:200$00 (um conto e duzentos mil reis). Só em falta destes, segundo o regulamento, poderá servir qualquer outro (professor) que se mostre habilitado nas matérias, fato mais frequente, até muitas décadas depois.
O professor podia ser suspenso por 10, 15 e 30 dias, no máximo, a que só podia ser feita pelo inspector técnico, enquanto a por 10 e 15 dias, podia ser feita pelos inspetores distritais, exigindo a lei que um inspector técnico para todo o município e quatro inspetores distritais, para visitar os estabelecimentos ao menos uma vez por mês. A punição do professor demitido a bem do serviço público era rigorosa: “Fica proibido de ocupar igual cargo, pelo espaço de 4 anos, dentro do município, sabendo-se que um da fazenda Capoeirinha foi mandado embora.”
Os exames para o cargo de professor passavam pelo crivo de uma comissão constituída de cinco membros, a saber: I – O intendente presidente; II – O presidente da Câmara – examinador; III – O promotor ou sub-promotor público – examinador; IV – Juiz municipal – examinador; V – O secretário da Câmara e da Intendência – examinador e secretário da banca examinadora, sendo época dos exames dos professores, qualquer tempo, designado pelo intendente e, o dos alunos, 1º e 31 de dezembro. As mesas de exame eram presididas pelo inspector técnico, tendo como examinadores quatro cidadãos nomeados pelo intendente municipal em exercício. Segundo a lei, os quatro cidadãos eram escolhidos dentre os mais habilitados em literatura do município, sendo que o resultado do exame era escrito em um livro próprio, fornecido pela Câmara.
Conforme pesquisas que fiz, inclusive com velhos professores, o rigor exigido pela regra legal transcrita, nunca se consolidou, sobremodo pela falta de juízes e promotores, até hoje, escassos no município, ficando a escolha na mão dos politicos, “coroneis” ou seus parentes, inclusive por afinidade.
Previstas no artigo 10, as férias eram curiosas, a bem dizer, estranhas, estabelecendo o parágrafo único do artigo citado que eram apelidadas “feriado”: “São feriados 15 de Novembro, 7 de Setembro, 3 de maio, 8 de Maio, 13 de Maio, 14 de julho, 2 de Novembro, 21 de Dezembro, 1º, 6 e 20 de Janeiro, 25 de Março, 21 de Abril, 4 e 24 de agosto e toda a semana santa.”
Quanto ao horário, previsto no artigo 19, embora enfeixasse o dia, também causa certa estranheza em nosso tempo. “Terá começo as aulas as dez horas da manhã e findará as quatro da tarde”. Ao meio dia havia recreio, que podia se prolongar por uma hora. As lições de ginástica, assim como as dos ensaios militares, “durarão 30 minutos”. Quanto aos castigos, previstos no artigo 20, como se a palmatória e a régua, não existissem, os de caráter físicos eram expressamente proibidos, dizendo um parágrafo do artigo: “Os professores poderão empregar o castigo/moral, sendo também permitida a expulsão do aluno considerado insubordinado. Vale dizer: “Ajoelhar encima de milho com braços abertos, não significava castigo físico.”
Quanto aos livros e matrículas. Cada professor tinha sob sua responsabilidade os seguintes livros: o de matrícula, ponto diário, de atos de exames, de notas de procedimentos dos alunos, todos fornecidos, numerados e rubricados pelo intendente. Matricular, exigia nome, idade, filiação, naturalidade, residência, grau de ensino e se foi o aluno ou não vacinado e a quanto tempo.
A exigente lei regulamentar do ensino mineirense, tinha 25 artigos, 39 parágrafos, 21 regras indicadas por algarismo romanos, enfeixando 11 ricos capítulos. Ao sancioná-la, Caetano Carrijo de Rezende, maior autoridade política do Arraial, determinou: “Mando, portanto, a todas autoridades que conhecimento deste chegue e possa pertencer, que a cumpram e façam cumprir tão bem e fielmente como nela se contém. O secretário publique, registre e faça correr desde o dia de sua data. Mineiros, 5 de agosto de 1909. O intendente Caetano Carrijo de Rezende. O secretário, Cândido Gomes.”
À guisa de ilustrar, informo que o Código de Posturas Municipais do Município de Mineiros, foi publicado na papelaria C. Manderbac & Co., cito à Rua de São Bento, n. 31, em São Paulo, no ano de 1910.
(Martiniano J. Silva, escritor; advogado; membro do Movimento Negro Unificado e da Academia Guiana de Letras e Mineirense de Letras e Arts, IHGGO, Ubego; master em História social pela UFG; professor universitário; articulista do DM; e-mail: martinianojsilva@yahoo.com.br)